Os cientistas recriaram com sucesso condições semelhantes a “bolas de fogo cósmicas” dentro do acelerador de partículas do CERN, uma experiência inovadora que visa compreender o enigmático desaparecimento de raios gama de alta energia de galáxias distantes. Esta conquista poderá desbloquear insights cruciais sobre a origem dos campos magnéticos no espaço intergaláctico e o comportamento da matéria sob condições extremas.
Simulando condições extremas do universo
A pesquisa, conduzida por cientistas da Universidade de Oxford e da Central Laser Facility do Science and Technology Facilities Council (STFC), utilizou a instalação HiRadMat do CERN e o Super Proton Synchrotron para gerar pares de partículas de matéria e antimatéria (elétrons e pósitrons). Essas partículas foram então lançadas através de uma coluna de plasma – um gás ionizado e superaquecido – simulando as condições intensas encontradas em jatos emanados de blazares. Blazares são um tipo de núcleo galáctico ativo, onde buracos negros supermassivos nos centros das galáxias consomem matéria e ejetam fluxos de plasma de alta energia.
“Estas experiências demonstram como a astrofísica de laboratório pode testar teorias do universo de alta energia”, explicou Bob Bingham, membro da equipa da Universidade de Strathclyde. “Ao reproduzir as condições relativísticas do plasma em laboratório, podemos medir processos que moldam a evolução dos jatos cósmicos e compreender melhor a origem dos campos magnéticos no espaço intergaláctico.”
O que são blazares e por que os raios gama desaparecem?
Blazares são um subconjunto fascinante de “núcleos galácticos ativos” (AGN). No coração destas galáxias existe um buraco negro supermassivo – milhões ou milhares de milhões de vezes mais massivo que o nosso Sol – que aspira vorazmente o gás e a poeira circundantes. Este material forma um disco giratório, denominado disco de acreção, que brilha intensamente devido ao atrito.
À medida que a matéria cai em direção ao buraco negro, poderosos campos magnéticos canalizam parte dela em direção aos pólos do buraco negro. Esta matéria é acelerada quase à velocidade da luz e expelida como jatos gêmeos de plasma. Quando um desses jatos aponta diretamente para a Terra, ele se torna um blazar. Esses jatos produzem intensa radiação de raios gama que os telescópios da Terra podem detectar.
No entanto, surgiu um fenómeno intrigante: quando estes raios gama viajam através do espaço intergaláctico, nem sempre produzem os sinais secundários previstos pela física padrão. Os cientistas previram que as interações com fótons na luz cósmica de fundo criariam pares de elétrons e pósitrons (matéria e antimatéria), e esses pares, por sua vez, deveriam espalhar a fundação cósmica de micro-ondas (CMB), um leve brilho residual do Big Bang. Esta dispersão deverá gerar raios gama de baixa energia detectáveis por telescópios como a sonda Fermi. No entanto, estes raios gama de baixa energia escapam consistentemente à detecção.
O mistério dos raios gama desaparecidos: explicações e novas descobertas
Várias teorias tentam explicar esta aparente discrepância. Uma sugestão é que os campos magnéticos intergalácticos fracos desviam os pares electrão-pósitron, empurrando efectivamente os raios gama de energia mais baixa para fora da nossa linha de visão. Outra possibilidade envolve a instabilidade destes pares matéria-antimatéria à medida que atravessam a matéria esparsa entre as galáxias, causando flutuações no jato de plasma e gerando campos magnéticos que dissipam a energia do feixe. Finalmente, a presença de um “campo magnético relíquia”, remanescente do universo primitivo, poderia estar embaralhando os raios gama.
A recente experiência do CERN foi concebida para testar as duas primeiras destas teorias. Surpreendentemente, a equipe observou perturbações mínimas no feixe de plasma, contradizendo a expectativa de geração significativa de campo magnético. Isto sugere que as instabilidades do plasma podem ser demasiado fracas para explicar a falta dos raios gama, reforçando a possibilidade de um campo magnético relíquia influenciar o seu comportamento.
As descobertas da equipa desafiam as teorias prevalecentes e fortalecem o argumento da existência de um campo magnético remanescente que permeia o meio intergaláctico.
Olhando para o futuro
Os resultados levantam questões intrigantes, particularmente sobre como é que tal campo magnético relíquia poderia ter-se originado no universo primitivo notavelmente uniforme. Responder a esta pergunta pode exigir a exploração da física além do Modelo Padrão, potencialmente envolvendo instalações avançadas como o Cherenkov Telescope Array Observatory (CTAO).
“Foi muito divertido fazer parte de uma experiência inovadora como esta, que acrescenta uma nova dimensão à investigação de fronteira que está a ser feita no CERN”, concluiu Subir Sarkar, membro da equipa e investigador da Universidade de Oxford. As descobertas da equipa, publicadas na revista PNAS, oferecem uma nova perspectiva sobre questões cósmicas fundamentais e destacam o potencial das experiências de laboratório para sondar os ambientes mais extremos do Universo.



























